No Ceará, a fofoca é mais que atividade comezinha, traquitana verbal ou penduricalho doméstico: é coisa séria. Entre nós, fofocar é gênero literário cultivado desde a chegada dos primeiros portugueses. Consta que foi na base do disse-me-disse que o aldeamento passou a povoado e deste a vila, de modo que, desde a sua fundação, o Ceará dependeu da fofoca pra se firmar em meio às desavenças políticas e amorosas, impondo-se não pela força ou pelo convencimento, mas pela intriga. À falta de símbolos sagrados ou ameaças potenciais de estrangeiros, coube à fofoca esse papel social. Por aqui, a catequese sempre se voltou à vida alheia, com a igreja fundada no mundanismo do assunto privado e nossos padres dedicados ao evangelho da alcova. Novidadeiros, libertamos os escravos antes de todas as províncias do império, flertamos com o modernismo muito antes da Semana de 1922 e instituímos a fofoca como ponto cardeal da cultura com quase um século de antecedência em relação às fake news. Mais expr...
Espaço vazio de convívio e devotado ao vaivém de delivery, a pizzaria se converteu nesse lugar de passagem onde a presença do cliente – no caso, a minha – era considerada como um quase inconveniente para o atendente. É pra levar? Como é, vai comer aqui mesmo? Tem certeza de que quer fazer como “os antigos” e puxar uma mesa? Vai aguardar e abrir a embalagem na pizzaria, e não em casa, no conforto da sala, vendo um episódio da série preferida ou ouvindo uma música escolhida por você? Pensei duas vezes. Tive dúvidas se não estava fazendo algo errado, obsoleto, contrário ao regramento usualmente admitido na minha comunidade, como utilizar pochete quando pochetes tinham saído de moda. Estava ali, parado, esperando que meu pedido ficasse pronto e fosse servido para então começar a comer. Nada de outro mundo, embora soasse dessa maneira. Mas alguns locais da cidade parecem ter deixado de lado esse aspecto coletivo, tornando-se corredores de passagem, meros entrepostos entre a mercadoria deman...