Escrevo durante o intervalo de sono de minha filha, um cochilo intermitente repleto de movimentos bruscos de pernas e braços e pequenos grunhidos de contrariedade disparados como flechas e só amenizados com leite e braço. Tudo em redor se regula por sua respiração. Mesmo os ritmos da casa, normalmente mais barulhenta, se alternam conforme as ondulações de seu corpo recém-nascido. Os gatos mais quietos, as cortinas pousadas em leveza, as portas em mansidão, os aparelhos em dormência. Quando dorme, dormimos. Quando desperta, é sobressalto. De repente, noto os seus cabelos muito pretos e a pele mais para o café. Lembro de minha avó, os olhos como duas esferas escuras agora cravados em mim, inquiridores, certos de que tenho alguma resposta, seja qual for sua pergunta. Levei esse novo do Zambra comigo pra maternidade como um objeto ao qual pudesse me apegar, reduzindo a ansiedade. Foi uma coincidência que o livro se destinasse ao filho, um romance epistolar que percorre o caminho de volta n
Não sei quantas vezes os médicos erram por dia no diagnóstico do sexo dos bebês, mas suponho que não sejam tantas. Imagino que, entre fluidos placentários e outras substâncias misteriosas que orbitam o fiapo de gente em formação, haja mil razões para errar e nenhuma para acertar. Que os fetos, encaracolados na bolsa uterina como caramujos nas conchas, não colaborem, cruzando as pernas como charmosas modelos posando para revistas de moda. Imagino também que a escuridão primordial dentro da barriga da mãe seja um fator impeditivo da acuidade visual da genitália. Na minha cabeça, determinar o sexo dos bebês é mais ou menos como determinar o dos anjos: uma atividade esotérica, mais para o jogo de azar do que para o rigor da medicina, regida por leis que contrariam o bom-senso, a racionalidade e, eventualmente, a paciência de pais e mães. Acontece que, munidos da alta tecnologia, equipados do saber acadêmico, vacinados com as doses necessárias de desconfiança que a ciência lhes aplicou e a