Quero sair em defesa de Jair e do seu direito de caçar palavras, de procurar no vazio da existência algo que a preencha, ainda mais na vacuidade dos dias sem eira nem beira de uma prisão durante a qual mesmo o soluço é um acontecimento digno de nota. Lutar com as palavras entre quatro paredes, adivinhar nas colunas e linhas uma qualquer formação com significado próprio, a isso também se pode chamar de leitura? E nem digo para fins de remição, ou seja, de redução da pena, de progressiva embora lenta e enervante abreviação do tempo do cárcere. Digo, Jair é um leitor como qualquer outro se de repente, entre um calhamaço de Dostoievski e uma brochura com letras embaralhadas, se entre um Machado e um bobbie goods, prefere estes àqueles? Tivessem um grão de inteligência, os filhos de Jair estariam neste momento convocando marchas nas ruas não pelo projeto de anistia ou pela dosimetria, mas por uma ampliação do que se entende como leitura. Seria uma via mais prática para reduzir os anos...
Esse foi o ano dos bebês reborn e dos labubus, dos dispositivos de substituição e transferência de afeto, da desafetação e do dar de ombros para o desfile acelerado da vida. Ano do boom da IA e da promessa de um futuro edênico no qual o virtual e o real se equivalem, ano da tiktokzação do sofrimento e da grande diáspora das redes. Ano da fuga das galinhas, dos filmes de terror e do Neymar, ano da prisão e da romantização da prisão dos famosos e do presidente em sua eterna crise de soluço. Ano do vazamento e da sorte de adivinhar os temas sobre os quais milhões sonham em escrever na hora da prova, ano do mecanismo da sorte, da estrutura secreta que produz o futuro. Ano do ostracismo do panetone e da reabilitação do ovo, ano da graça e também da desgraça, ano do recolhimento meditabundo e do desbunde, da ioga e do forró raiz. Ano das desescritas do eu, da arte do baixo ventre, da grafia do corpo sem corpo, enfim, ano de toda sorte de golpe mercadológico para vender mais no país q...